O decreto executivo do presidente Donald Trump que proibiu, no sábado (28), a entrada nos Estados Unidos de cidadãos de sete países de maioria muçulmana por 90 dias, e de refugiados das mesmas origens por quatro meses, virou o país de pernas para o ar.
Eduardo Graça, correspondente da RFI em Nova York
O fim de semana foi marcado por protestos nos principais aeroportos americanos por causa da detenção de pessoas com visto de trabalho permanente, o “green card”, e cidadãos com dupla nacionalidade que eram impedidos de voltar para casa e passaram o dia sob interrogatório dos agentes da Imigração. A medida irritou juristas a ponto de advogados se oferecerem para trabalhar de graça nos saguões dos aeroportos. No final do dia, uma juíza do Brooklyn decidiu, em caráter emergencial, que a medida era ilegal.
Depois de intensos protestos e da detenção de mais de 200 pessoas, o chefe de gabinete da presidência, Reince Priebus, anunciou no domingo (29) que portadores do “green card” e cidadãos americanos com dupla cidadania, cuja outra nacionalidade é a de um dos sete países da lista dos banidos − Irã, Iraque, Somália, Sudão, Líbia, Iêmen e Afeganistão − não serão mais detidos nos aeroportos. Os demais, sim.
O ato executivo, que nas redes sociais foi traduzido pelo hashtag #MuslimBan, foi a mais radical de uma série de medidas autocráticas tomadas pelo presidente Trump em seus primeiros dez dias de governo. Além de ser considerado por juristas, acadêmicos e analistas políticos como uma das ações mais arbitrárias do poder executivo na história do país, o decreto foi considerado ilegal por 15 secretários estaduais de Justiça. Chefes de polícia de portas de entrada importantes dos EUA, como Los Angeles e Nova York, anunciaram que não irão colaborar com o governo federal na aplicação da medida, o que pode levar a questão para a Suprema Corte.
Casa Branca não esperava protestos tão intensos
A Casa Branca foi claramente pega de surpresa. Um simbolismo às avessas acabou ajudando os grupos que iniciaram os protestos com convocações nas redes sociais. A razão é que Trump anunciou o ato executivo no dia em que as vítimas do Holocausto nazista são lembradas, e sua administração sequer tratou oficialmente do tema, uma tradição entre presidentes americanos.
Milhares de pessoas se revoltaram contra o descaso histórico e o que perceberam ser uma atitude imperial, antidemocrática e contrária aos direitos humanos do novo presidente. O primeiro aeroporto ocupado foi o JFK, em Nova York, inclusive com o apoio de taxistas, e depois também os de Boston, Atlanta, Filadélfia, Dallas, Seattle, São Francisco, Denver, Los Angeles, Houston, Charlotte, Miami e Portland. Os manifestantes exigiram o respeito à Constituição e ao direito de ir e vir dos indivíduos, independentemente de suas nacionalidades ou religião. E o mais importante: conseguiram resultados práticos, com advogados trabalhando de graça para liberarem a entrada dos retidos por horas a fio nas salas de detenção dos aeroportos.
Cadeirante iraniana de 75 anos passa o dia presa no aeroporto
Os casos que começam a aparecer na imprensa são os mais chocantes. Há o iraquiano que trabalhou como tradutor para o governo americano, na época da invasão do Iraque por George W. Bush (2003), que teria sido interrogado por 17 horas e teria sido algemado. Há a avó iraniana, portadora de “green card”, de 75 anos, que se movimenta com o auxílio de uma cadeira de rodas, também detida por um dia inteiro. Há os relatos de interrogatórios duros, em que até as simpatias políticas dos retidos, reveladas em posts nas redes sociais, foram questionadas.
Funcionários da Segurança Nacional americana disseram, em “off”, terem ficado surpresos com o ato executivo e não entendiam como não houve qualquer consulta jurídica ou aviso prévio para que a Imigração se preparasse para as novas diretrizes.
Democratas preparam contra-ataque no Congresso
Os protestos continuaram intensos até a noite de domingo. No aeroporto de Los Angeles, mais de 3 mil pessoas se reuniram para defender os direitos dos imigrantes. Em Nova York, o governador liberou o uso gratuito do AirTrain, que liga as estações de metrô aos terminais do JFK, para os manifestantes. Mas nenhuma imagem foi mais tocante do que a dos advogados enviados pela prefeitura de Nova York e que fizeram do saguão do JFK seus escritórios, espalhados pelo chão dos terminais e muito aplaudidos por todos.
A força das ruas parece também ter despertado a oposição, em estado de coma depois da derrota de novembro. A senadora Dianne Fienstein, da Califórnia, apresenta nesta segunda-feira (30) no Capitólio projeto de lei declarando ilegal o ato executivo de Trump. Alguns deputados democratas dizem que o país vive uma crise constitucional. Setores da sociedade civil já dizem que se o presidente exigir dos agentes da Imigração a desobediência da ordem judicial que impediu as deportações nos próximos dias, irão protocolar o primeiro pedido de impeachment de Donald Trump.
Fonte: RFI
Redação Ipu Post
Comente com Facebook